Uma política fiscal que deixe de ser apenas reativa ou arrecadatória, e passe a atuar como eixo estruturante da transição ecológica, da redução das desigualdades e da promoção da justiça intergeracional. Essa é a proposta central do artigo “Governança fiscal sustentável: fundamentos para uma política tributária orientada por critérios ESG”, assinado por Alexandre Arnone e Sóstenes Marchezine, e publicado pelo portal Migalhas em 1º de agosto de 2025.
O texto reúne e aprofunda as principais diretrizes debatidas no Global Meeting – Circuito COP30, no âmbito do Simpósio Nacional sobre Instrumentos Fiscais e Tributários Sustentáveis, promovido pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pelo Instituto Global ESG. Os autores propõem não apenas reformas pontuais, mas a construção de um novo marco técnico-jurídico da política fiscal brasileira, ancorado em critérios ESG – ambientais, sociais e de governança – como fundamento constitucional, normativo e operacional do Estado.
1. Do tributo como instrumento arrecadatório ao tributo como motor da sustentabilidade
O artigo parte de uma crítica ao modelo fiscal tradicional, centrado na arrecadação e no ajuste contábil, para defender uma virada conceitual. “A política fiscal deve deixar de ser neutra ou reativa frente à emergência climática e à desigualdade social”, afirmam os autores. “Deve assumir, com intencionalidade e responsabilidade, o papel de catalisadora da sustentabilidade.”
Segundo Arnone e Marchezine, o tributo deve cumprir função indutora de condutas e valores coletivos, com foco em transparência, previsibilidade normativa e retorno de impacto.
2. PATEN e Fundo Verde: requalificação dos passivos estatais como ativos climáticos
Um dos pontos centrais do texto é a análise da Lei nº 15.103/2025, que instituiu o PATEN – Programa de Aceleração da Transição Energética e o Fundo Verde. A norma permite que precatórios e créditos inscritos em dívida ativa sejam utilizados como fonte de financiamento para projetos sustentáveis.
“Trata-se de uma verdadeira mutação da lógica fiscal: ativos antes considerados passivos contábeis passam a ser requalificados como instrumentos de política pública com lastro climático”, escrevem.
A modelagem, inspirada em experiências internacionais e alinhada à taxonomia verde, transforma o passivo judicial do Estado em mecanismo de financiamento climático estruturado, orientado à reindustrialização verde, à infraestrutura resiliente e à geração de valor ambiental, social e econômico.
3. Transação tributária sustentável: cláusulas ESG como contrapartida negocial
Outro eixo inovador abordado no artigo é a transação tributária com cláusulas ESG, uma alternativa que rompe com a lógica exclusivamente fiscal das negociações e introduz obrigações ambientais e sociais como condicionantes dos benefícios concedidos.
“A chamada transação tributária sustentável inaugura um campo de acordos complexos, fundados em avaliação de impacto, análise de riscos jurídicos e projeção de retorno climático – tanto para o setor público quanto para o contribuinte.”
Na prática, empresas com débitos fiscais podem obter vantagens desde que assumam compromissos como metas de descarbonização, inclusão produtiva, reaproveitamento de resíduos ou adaptação de sua cadeia de valor.
4. Orçamento climático e fundos compensatórios: uma nova arquitetura fiscal
A partir da reforma tributária em curso, o artigo defende a criação de um orçamento climático transversal, com metas fiscais alinhadas a objetivos de impacto socioambiental. Isso inclui metodologias de precificação de externalidades, integração entre sistemas contábeis e ambientais e a consolidação de fundos de compensação ambiental e regional.
Esses fundos, segundo os autores, podem ser nutridos por receitas derivadas da tributação de poluentes ou da conversão de passivos estatais, replicando o modelo do PATEN nos níveis estadual e municipal.
5. Governança fiscal sustentável: protagonismo da advocacia pública
O fortalecimento da advocacia pública como formuladora de soluções normativas e estruturantes é apontado como essencial para o sucesso desse novo modelo fiscal. O artigo destaca o protagonismo da AGU na institucionalização da transação sustentável e na regulamentação do Fundo Verde.
“Nenhuma inovação tributária prospera sem legitimidade institucional”, afirmam Arnone e Marchezine. “A construção de uma governança fiscal sustentável exige articulação técnica, previsibilidade jurídica e engajamento institucional contínuo.”
Nesse contexto, a criação do Conselho Permanente de Instrumentos Fiscais Sustentáveis, vinculado ao Programa ESG20+, é apresentada como espaço permanente de articulação multissetorial entre governo, academia, órgãos de controle e sociedade civil organizada.
6. Litigiosidade estratégica e responsabilidade intergeracional
A gestão dos passivos judiciais e da litigiosidade envolvendo créditos públicos e questões socioambientais também é tratada como ponto crítico. O artigo propõe uma virada institucional da lógica reativa para uma postura preventiva e estratégica do Estado, com ênfase em soluções consensuais e na inserção de métricas ESG nas decisões e pareceres.
7. Um novo pacto fiscal: convergência entre justiça, impacto e segurança jurídica
O texto encerra com um chamado à convergência institucional e à responsabilidade histórica diante do colapso climático, da crise orçamentária e da polarização política.
“A consolidação de uma política fiscal orientada por critérios ESG não é apenas uma alternativa técnica. É uma exigência histórica.”
“O momento vivido pelo Brasil é o início de um novo pacto entre a economia, o meio ambiente e a democracia.”
Leitura recomendada para tomadores de decisão e operadores da transição ecológica
O artigo de Alexandre Arnone – fundador do Instituto Global ESG – e de Sóstenes Marchezine – vice-presidente da entidade e coordenador-geral do Programa ESG20+ –, oferece um mapa normativo, técnico e institucional para uma política fiscal de impacto. É leitura essencial para formuladores de políticas públicas, operadores do Direito, economistas, gestores públicos e especialistas que atuam na transição para uma nova economia.
? Leia na íntegra no Migalhas:
https://www.migalhas.com.br/depeso/404932/governanca-fiscal-sustentavel-fundamentos-para-uma-politica-tributaria-orientada-por-criterios-esg