Thiago Oliveira Rodrigues, do IBICT/MCTI, defende visão sistêmica e Avaliação do Ciclo de Vida como base da economia circular

Pesquisador alerta para riscos de soluções superficiais, destaca queda da circularidade global para 6,9% e aponta o SICV Brasil como ferramenta estratégica para políticas públicas e práticas empresariais rumo à COP30

20/09/2025 10h19 - Atualizado há 1 mês

O Global Meeting – Circuito COP30: Simpósio de Economia Circular e Cadeias Produtivas Sustentáveis, realizado no Complexo Na Praia, em Brasília, reuniu autoridades, especialistas e representantes de diversos setores para debater caminhos práticos de transição rumo à COP30, que acontecerá em Belém (PA), em 2025.

 

Com patrocínio da Caixa Econômica Federal, fomento do Grupo Arnone e co-realização do Instituto Global ESG, da Embrapa e do Grupo R2, o encontro teve transmissão ao vivo pelo portal Poder360 e pela TV Global ESG no YouTube, ampliando o alcance nacional e internacional da programação.

 

Nesse contexto, o evento foi palco de uma fala contundente do pesquisador Thiago Oliveira Rodrigues, da Coordenação de Tecnologias Aplicadas a Novos Produtos do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

 

O IBICT, instituição de referência nacional, atua há mais de seis décadas na produção, organização e disseminação de informação científica e tecnológica, com foco em inovação, sustentabilidade e apoio à formulação de políticas públicas. Já o MCTI é o órgão responsável por articular ciência, tecnologia e inovação como eixos estratégicos do desenvolvimento brasileiro, abrangendo desde a pesquisa básica até a aplicação em políticas industriais, ambientais e sociais.

 

Nesse cenário, Thiago trouxe uma reflexão que ecoou entre os participantes: a economia circular não pode ser reduzida a reciclagem, nem a soluções isoladas. Ela requer uma visão sistêmica, inovação responsável e instrumentos técnicos como a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) para evitar retrocessos e guiar decisões públicas e privadas.


 

Circularidade em queda: apenas 6,9% da economia global

O pesquisador destacou um dado preocupante do Circularity Gap Report 2025: apenas 6,9% da economia global é circular, enquanto 93% ainda se apoia em práticas lineares.

 

Estamos cada vez menos circulares. A cada ano, os relatórios mostram retrocessos, e isso exige ação imediata e sistêmica. Não basta reciclar no fim do processo: precisamos redesenhar o início e o meio do ciclo de produção”, afirmou.

 

Segundo ele, a destinação de resíduos para aterros e lixões — ainda predominante — representa “a pior forma de gestão de recursos, um retrato do desperdício que perpetua impactos ambientais e sociais.

 

Inovação com cautela: efeito rebote e paradoxo de Jevons

Thiago reforçou que nem toda tecnologia nova é automaticamente sustentável.

O fato de uma tecnologia ser nova e inovadora não garante circularidade nem sustentabilidade: é preciso visão sistêmica”, disse.

 

Ele explicou conceitos fundamentais:

 

  • Efeito rebote: quando ganhos de eficiência são anulados por mudanças de comportamento. Exemplo: o carro compartilhado, que em tese reduziria impactos, mas por uso intensivo pode ter vida útil tão curta que se torna, em certos contextos, ambientalmente pior que a posse individual.
  • Paradoxo de Jevons: aumentos de eficiência que geram mais consumo. “A inteligência artificial é um exemplo claro: produzimos em meio dia o que antes levaria um dia inteiro. Mas o tempo ganho não é usado para descansar: é usado para produzir mais, consumir mais energia e gerar mais impacto”, alertou.

 

 

Resíduo não é matéria-prima

Outra reflexão central foi sobre a forma de encarar resíduos. Para o pesquisador, tratá-los como simples substitutos de matérias-primas pode gerar acomodação e ineficiência a montante.

 

Resíduo pode entrar no lugar de uma matéria-prima, mas não deve ser encarado como matéria-prima. Se for visto assim, os setores que os geram deixam de buscar eficiência. Passam a continuar produzindo resíduo porque alguém o transformará em insumo. Isso é um erro conceitual e estratégico”, afirmou.

 

Avaliação do Ciclo de Vida como bússola

Thiago destacou que a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), normalizada pelas ISO 14040 e 14044, é a principal ferramenta para garantir que soluções de circularidade tragam de fato ganhos líquidos.

 

Se o custo socioambiental da solução for maior que o custo do resíduo, a tecnologia não faz o menor sentido. É a ACV que nos permite enxergar se estamos realmente melhorando a cadeia produtiva ou apenas transferindo o problema para outro lugar”, explicou.

 

 

SICV Brasil: infraestrutura estratégica de dados

Um dos pontos mais fortes da fala foi a valorização do SICV Brasil – Sistema de Inventários do Ciclo de Vida, iniciativa pública e gratuita, gerida pelo IBICT. Hoje com mais de 200 inventários de processos nacionais, o sistema oferece dados cruciais para análises fidedignas ao contexto brasileiro.

 

Com o SICV, o Brasil passa a ter autonomia de dados. Não dependemos mais de bases estrangeiras que não refletem nossa realidade produtiva. É uma conquista construída com apoio do Instituto Global ESG e da articulação no Congresso, que incluiu o sistema na Política Nacional de Economia Circular”, disse.

Nesse momento, Thiago fez questão de agradecer ao deputado Rodrigo Rollemberg, presente no encontro, por ter articulado o apensamento legislativo que reconhece oficialmente o SICV Brasil como banco nacional de referência.

Esse apoio é fundamental. O reforço do Congresso legitima e fortalece a pauta, garantindo que a avaliação de ciclo de vida seja uma política de Estado, e não apenas uma prática isolada”, destacou o pesquisador.

 

 

Diálogo com o Congresso e rumo à COP30

O pesquisador também ressaltou a importância da Política Nacional de Economia Circular, que tramita no Congresso, e do Fórum Nacional de Economia Circular, já criado, com participação de empresas, academia, movimentos sociais e governo.

 

A economia circular não é sobre um setor isolado, mas sobre redesenhar o modelo econômico em bases regenerativas, inclusivas e competitivas. O Brasil tem ativos únicos para liderar esse movimento — e a COP30, em Belém, será a oportunidade de mostrar isso ao mundo”, concluiu.


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