O terceiro painel do Simpósio de Instrumentos Fiscais e Tributários Sustentáveis — evento realizado pela Advocacia-Geral da União (AGU) em parceria com o Instituto Global ESG, como parte do Global Meeting – Circuito COP30 — foi moderado por Sóstenes Marchezine, vice-presidente do Instituto Global ESG e diretor-geral do Programa ESG20+. A mesa reuniu autoridades de alto escalão e especialistas para debater o tema “Transação Tributária Sustentável: Instrumento de Justiça Fiscal e Socioambiental e o Futuro das Resoluções de Conflitos Complexos”.
Participaram como expositores Anelize de Almeida, Procuradora-Geral da Fazenda Nacional; João Henrique Chauffaille Grognet, Procurador-Geral Adjunto da Dívida Ativa da União e do FGTS; José Roberto Peixoto, Diretor da Câmara de Mediação e Conciliação da Administração Pública Federal (CCAF/AGU); e Alexandre Arnone, presidente do Instituto Global ESG, chairman do Grupo Arnone e sócio-nominal da Arnone Advogados.
Na abertura do painel, Marchezine destacou o protagonismo do tema na estruturação do evento e como base para a formalização do acordo de cooperação entre o Instituto e a AGU. Segundo ele, o tema da transação tributária sustentável representa “uma inflexão paradigmática do sistema fiscal brasileiro em direção à governança socioambiental, à justiça distributiva e à corresponsabilização corporativa no enfrentamento das desigualdades e da crise climática”.
Diagnóstico normativo e linha do tempo
Para embasar o debate, o moderador apresentou um panorama técnico-jurídico da evolução da transação tributária no Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988 e do Código Tributário Nacional de 1966, destacando a edição da Lei nº 13.988/2020, que instituiu a possibilidade de transação no contencioso tributário.
Na sequência, deu relevo à Portaria AGU nº 1.241/2023, que passou a incorporar critérios ESG nas análises de transação pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, e, por fim, à Lei nº 15.103/2025, que, embora tenha instituído o Programa de Aceleração da Transição Energética (PATEN), alterou de forma autônoma a Lei de 2020 para criar a figura da transação tributária sustentável como instrumento de política pública.
“Essa linha do tempo não é apenas normativa, é também civilizatória. A partir da portaria de 2023, o ESG deixa de ser tratado como um apêndice e passa a ser critério de mérito em transações com o Estado. E agora, com a nova lei, ganha força legal e estrutura definitiva para seu pleno desenvolvimento como política fiscal estruturante”, afirmou.
Casos emblemáticos e inovação normativa
Durante sua exposição, Marchezine apresentou exemplos práticos de aplicação da cláusula ESG em acordos firmados com entes públicos e privados. Entre os mais destacados, citou o acordo firmado com o grupo João Santos (Cimento Nassau), considerado a maior transação tributária da história até o momento, que incluiu a chamada Cláusula 19, com compromissos expressos de sustentabilidade.
“Esse caso é emblemático não apenas pelo volume envolvido, mas porque inaugura uma nova gramática jurídica, em que a responsabilidade socioambiental passa a integrar o núcleo do acordo tributário. Essa cláusula será estudada e poderá se tornar padrão a partir de agora”, explicou.
Ele também mencionou experiências de estados como Pará e Piauí, além de acordos com empresas privadas como o grupo Manicraft, e destacou que muitos desses casos vêm sendo objeto de análise institucional e acadêmica. Um dos exemplos é o estudo de Guilherme Saber de Assis, procurador da Fazenda Nacional, que realiza dissertação de mestrado sobre o tema, com enfoque no caso da cláusula ESG.
ESG como vetor estratégico e não custo
Sóstenes ressaltou que o movimento institucional em curso — conduzido pela AGU, PGFN e órgãos correlatos — tem mostrado que o ESG não representa um custo adicional às empresas, mas um ativo estratégico que pode ser valorizado em negociações fiscais e extrajudiciais.
“Em vez de penalizar, o sistema começa a premiar comportamentos sustentáveis. O contribuinte que demonstra compromisso ambiental e social ganha prazo, reduz encargos, tem vantagens objetivas. É o ESG como fator de justiça fiscal, responsabilidade social corporativa e racionalidade econômica”, observou.
Instrumentos financeiros sustentáveis e governança
A exposição do moderador também abordou o novo ciclo de instrumentos financeiros públicos voltados à sustentabilidade, como o Novo Fundo Verde e as possibilidades abertas pela Lei nº 15.103/2025, que autoriza o uso de créditos judiciais, precatórios e ativos da União para financiar projetos sustentáveis.
Tais instrumentos estão sendo regulamentados no âmbito do CT-PATEN — Comitê Técnico Interministerial do PATEN, ainda em estruturação. Sóstenes defendeu atenção ao processo de regulamentação e a criação de salvaguardas jurídicas, metas de impacto e parâmetros transparentes de avaliação.
“É urgente que os mecanismos financeiros sustentáveis não sejam apenas declaratórios, mas tenham métrica, governança, transparência e monitoramento. O ESG exige sistemas de mensuração efetivos para cumprir seu propósito transformador”, disse.
Ações futuras e publicação científica
Ao final do painel, foi anunciado o lançamento do edital para a obra coletiva científica sobre Transação Tributária Sustentável, com coordenação da advogada Fabiana Favreto, ex-chefe de gabinete no Superior Tribunal de Justiça e especialista em regulação jurídica da sustentabilidade fiscal.
“Queremos que este livro seja o primeiro marco doutrinário sobre o tema no Brasil, reunindo juristas, procuradores, pesquisadores e autoridades públicas que têm se dedicado a construir esse novo modelo fiscal e jurídico. A ciência jurídica precisa caminhar junto da inovação normativa”, concluiu.
A apresentação técnica completa de Marchezine será disponibilizada aos interessados e à Escola Superior da Advocacia-Geral da União (ESAGU), responsável pela transmissão exclusiva do painel aos seus membros como parte da formação continuada.