29/05/2024 às 16h01min - Atualizada em 29/05/2024 às 15h48min

A riqueza da imensidão azul e o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável - ODS 14

Glaucia Uliana

Glaucia Uliana

Diretora de licitações do Grupo Arnone

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Os oceanos são verdadeiras fortalezas de vida, abrigo de milhares de ecossistemas. Sua natural força bruta atrai para si olhares diversos exercendo fascínio e inspiração a brilhantes poetas, desde Camões a Fernando Pessoa, o qual bem escreveu que neles se espelhou o Céu. É nas águas que Camões retrata poeticamente feitos marítimos que mudaram a historia mundial, mostrando os adventos do expansionismo nos quais enormes continentes foram descobertos.

A grandiosidade dos oceanos é retratada não somente no mar de Pessoa, mas também dos descobridores dos continentes, dos pescadores, dos jangadeiros, em canções de exilio, se consagrando no oceano da nossa vida. Tamanha magnitude, contudo, não garantiu aos oceanos que se mantivessem livres da influência humana e da atração desenfreada na exploração de suas riquezas submersas, causando acumulação de ameaças e danos, especialmente devido as mudanças climáticas e sobrepesca.

 A intervenção nos ecossistemas marinhos sem qualquer tipo de limites afeta direta e indiretamente a biodiversidade e os serviços essenciais que ela nos assegura diariamente e é uma situação problemática a ser enfrentada de modo contundente se quisermos garantir vida no planeta para as futuras gerações.
  
Ameaças, danos e o ODS 14 
 
Frente a essa percepção, em 2015, ao estabelecer os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, após amplos debates, a ONU estabeleceu como “ODS 14- Conservar e usar de forma sustentável os oceanos, mares e recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável”.

Referido Objetivo fixou metas e prazos para prevenir e reduzir a poluição marinha, proteger os ecossistemas marinhos e costeiros, enfrentando os impactos da acidificação dos oceanos, regular a coleta e eliminar da sobrepesca ilegal, conservação de pelo menos 10% das zonas costeiras e marinhas, proibição de alguns subsídios que fomentam a sobrepesca e sobrecapacidade, e ao mesmo tempo aumentar os benefícios econômicos para países subdesenvolvidos até mesmo transferindo tecnologia marinha, assegurando a conservação e uso sustentável dos oceanos e seus recursos.

O relatório da ONU sobre poluição plástica aponta a necessidade de redução drástica do uso do plástico para enfrentamento da crise global da poluição já que anualmente, aproximadamente 14 milhões de toneladas de lixo plástico são despejados nos oceanos Atlântico, Pacifico e Índico.

Neste aspecto, além do plástico visível, a existência do plástico invisível, chamado de microplástico (pequenas partículas de tamanho inferior a 5 milímetros formadas pelo desgaste das peças maiores), faz com que ao consumirmos, por exemplo,  peixes e frutos do mar, até mesmo ingerimos lixo sem conhecimento.

Não obstante, além da redução do lixo, a redução de gases é vital para melhoria da vida marinha e conservação do biossistema. A emissão dos gases de efeito estufa faz com que os oceanos absorvam grandes quantidades de carbono. 
O excesso de CO2 na atmosfera dentre outros danos gera a acidificação dos oceanos e altera a temperatura das águas oceânicas.

Por outro lado, as atividades predatórias da pesca ilegal ou sobrepesca podem ocasionar a extinção de diversas espécies e graves desequilíbrios ecossistêmicos, ameaçando a sustentabilidade do setor socioeconômico já que aproximadamente, 10% da população mundial depende diretamente da pesca para sobreviver.

Outro importante fator a ser considerado pelas nações mundiais quando se trata de preservação dos oceanos é a imediata resposta a ser dada, com pronta e eficaz atuação dos Estados Membros na minimização dos severos danos causados pelos grandes desastres ambientais tais quais os por derramamento de óleo e até mesmo por outros tipos de materiais e produtos tóxicos altamente poluentes com potencial de provocar risco a saúde dos oceanos por dezenas de anos, sem que se mensure o alcance dos mesmos.

Os oceanos são uma imensidão a ser preservada na luta da preservação da vida.
                  
As Conferência mundiais dos Oceanos

Transcorridos oito anos desde o estabelecimento da Agenda 2030 o avanço do compromisso tem balanço insuficiente de progresso sendo que diversas metas fixadas para 2020 não foram efetivamente implementadas, dentre elas, metas referentes a ODS 14.

Na Assembleia Geral da ONU de 2021, o Presidente Volkan Boznir inclusive destacou “simplesmente não existe cenário em que vivamos em um planeta sem oceano”. A discussão por soluções para uma “recuperação azul” busca soluções e respostas para as ameaças a vida marinha como a poluição por plástico, acidificação dos oceanos e pesca ilegal.

Em que pese os esforços, ao término da Conferencia dos Oceanos das Nações Unidas ocorrida em Lisboa em 2022, 150 países reconheceram falha coletiva em alcançar várias metas da ODS 14 e novos compromissos  e comprometimentos das nações foram estabelecidos.

Ato contínuo, diversos investimentos econômicos relevantes foram anunciados para que o objetivo possa deixar de ser uma promessa e alcance a realidade. 

Mundialmente, existem vários fóruns de debate e decisão internacionais sobre os Oceanos com destaque a 3, especialmente, sendo (i) Conferência das Nações Unidas para apoiar a implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 (United Nations Conferences to Support the Implementation of Sustainable Development Goal 14), (ii) Conferências da Década dos Oceanos das Nações Unidas (UN Ocean Decade Conferences), (iii) Conferências O Nosso Oceano (Our Ocean Conferences) as quais visam discutir problemas e soluções.
 
Panorama Geral da Legislação Mundial de Proteção aos Oceanos 

Até a Segunda Guerra Mundial não havia lei formal para regular o mar porque os estoques marinhos pareciam inesgotáveis e a poluição acontecia em pequena escala e a nível local. Em regra, utilizava-se o costume e o direito romano para regular de maneira informal o uso e passagem pelos mares.

Em 1930, a Liga das Nações tentou codificar a lei dos mares sem sucesso. Em 1958 a ONU promoveu a primeira Conferência sobre a Lei do Mar, na qual deliberou Quatro Convenções: I) Convenção sobre o mar Territorial e a Zona Contigua, II) Convenção do Alto mar, III) Convenção sobre a pesca e Conservação dos Recursos Naturais do Alto mar, IV) Convenção sobre a Plataforma Continental. Tais Convenções, entretanto, sequer entraram em vigor. 

No que tange especificadamente a proteção ambiental as Convenções eram fracas na medida em que não estabeleciam dever de proteger o ambiente marinho tampouco delimitavam deveres e responsabilidades dos Estados para evitar a poluição dos mares.

Somente após a Conferência de Estocolmo de 1972, a ONU convocou a terceira Conferência sobre a Lei do Mar, iniciada em 1973 e concluída em 1982, a qual entrou em vigor em 1994, sendo então considerada a Constituição da governança dos Mares.

No que concerne a proteção ambiental a Convenção da Lei do Mar regulamentou a autoridade jurisdicional e estabeleceu obrigações para proteger e preservar o ambiente marinho considerando ameaças ambientais como poluição e pesca predatória. No Brasil, foi promulgada pelo Decreto 1530 de 1995.

Desde então, centenas de regulamentos, normas, leis, tratados e convenções internacionais surgem aos longos das décadas fixando normas internacionais e nacionais para proteção ao mar e seus recursos. A complexidade dos aspectos jurídicos da legislação ambiental de proteção aos oceanos, todavia, ainda não traz indicadores mundiais favoráveis ao alcance da ODS 14. 
 
Legislação Brasileira 

A proteção aos oceanos é reconhecida pela Constituição Federal brasileira em diversos artigos notadamente no parágrafo 4º do artigo 225 que fixa que a utilização das zonas costeiras deve ser efetuada em condições que assegurem a preservação do meio ambiente inclusive no aspecto dos recursos naturais.

Especificadamente quanto ao Brasil, o pais detém uma das maiores áreas costeiro-marinhas do mundo: aproximadamente 10 mil km² de costa e outros 3,5 km² de espaço marítimo sob jurisdição brasileira. Somente a área marítima é maior do que toda extensão da Índia.

Esta enorme área costeira, contudo é regida por diferentes leis e instrumentos de gestão, de forma fragmentada, em diversos órgãos governamentais, que não necessariamente conversam entre si. Não há marco regulatório para o mar brasileiro.

No cenário atual, centenas de normas regem o ambiente costeiro-marinho no Brasil, nas várias instâncias de decisão. Além da legislação federal, há ainda leis, decretos, resoluções, portarias estaduais de cada um dos 17 Estados Brasileiros e das 442 cidades que compõem a federação.

Certamente, caso este emaranhado de legislação fragmentada fosse melhor condensado de forma sinérgica através de um sistema único de Leis teríamos mecanismos integrados de governança marítima mais eficazes. 

Com esse objetivo, desde 2013 tramita o Projeto de Lei 6.969, que institui a Política Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro (PNCMar), conhecida como “Lei do Mar”, ainda não aprovado. 

No Brasil a Lei 8617/93 definiu os limites do mar territorial sob jurisdição nacional estabelecidos pela Convenção da Lei do Mar.  As linhas de base, por sua vez, foram estabelecidas de acordo com o Decreto 4983 de fevereiro de 2004. 

Considerado parte integrante da Política Nacional para os Recursos do Mar (PNRM) e da Política Nacional do Meio Ambiente, o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC), foi instituído pela lei 7.661, de 16 de maio de 1988. Em 1997 foi aprovado o PNGC-II regulamentado por atos da Comissão Interministerial para os recursos do mar (CIRM) e coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente.

No âmbito federal o Decreto nº 5.300 estabeleceu os limites, princípios, objetivos, instrumentos e competências para a gestão e regulamenta a Lei Federal do Gerenciamento Costeiro, 7.661/1988 e tem como um dos objetivos principais o ordenamento dos usos na zona costeira visando à conservação e proteção dos recursos costeiros e marinhos. 

Com relação à qualidade das águas marinhas e salobras, há duas resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que tratam do assunto: a Resolução 357/05 que define classes de águas e padrões máximos para os principais poluentes; e a Resolução 274/00 específica sobre balneabilidade. 

As questões relacionadas à pesca, artesanal e industrial, são regidas principalmente pela Lei da Pesca (Lei Federal nº 11.959/2009); a navegação, pela Política Marítima Nacional (Decreto nº 1.265/1994); a extração de óleo e gás pela Política Energética Nacional (Lei Federal 9.478/1997); as áreas protegidas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei do SNUC – nº 9.985/2000) e pelo Plano Nacional de Áreas Prioritárias (Decreto nº 5.758/2006); o turismo náutico pela Política Nacional de Turismo (Lei Federal nº 11.771/2008); e assim por diante.

A magnitude da importância da água para a vida do nosso planeta é ainda subdimensionada pelos países dos cinco continentes. O mundo não está progredindo na preservação e descontaminação das águas, o que indubitavelmente gera e gerará prejuízos imensuráveis a vida no planeta para as gerações presentes e futuras.

O comprometimento dos oceanos e da vida marinha atualmente mostra a urgência em providências para reversão da situação atualmente vivida caso a humanidade queira manter a viabilidade da vida no planeta.
Para tanto, é insustentável que países membros das Organização das Nações Unidas mantenham descaso de suas atuações frente ao compromisso assumido com a Agenda 2030.

Já está evidenciada a importância que a água tem na preservação do planeta. A água e a vida marinha são fundamentais para que a engrenagem da economia mundial gire sem defeitos que a impeçam de crescer. Os setores produtivos mundo a fora são dependentes do potencial hídrico mundial. As mudanças climáticas ocasionados pelo homem em razão de nossa interferência negativa na preservação do planeta, tem trazido inequívocas provas de que chegamos no limite.
A vida humana assim como todas as demais vidas terrestres dependem exclusivamente do potencial hídrico do planeta que tem 70% de sua composição de água.

O maior bem que há no nosso planeta é a água e é necessário que cuidemos desse preciosos bem da vida, acelerando o ritmo para que obtenhamos as mudanças positivas alcançando a despoluição das águas e dos oceanos em todo o mundo, ajudando a salvar a vida marinha.

Cabe ao Estado Brasileiro, como maior e mais importante economia da América do Sul e como país detentor da chamada Amazônia Azul, enfrentar a problemática com ações efetivas, deixando de lado os discursos ineficientes e partindo para a solução na prática.

A abundante e esparsa legislação brasileira sobre proteção das águas e da vida marinha deve imediatamente ser ajustada as necessidades reais vivenciados pelo nosso país, sendo obrigação do nosso Poder Legislativo concentrar todos os esforços possíveis em perfectibilizar e finalizar os projetos que se encontram parados no Congresso Nacional, tendo atenção para que a legislação contemple prioritariamente o que é devido que é a proteção da vida no planeta, para a partir dessa premissa contemplar os demais interesses.

Os oceanos são a maior fonte de fornecimento de oxigênio a vida terrestre, sendo responsável pelo fornecimento de mais da metade do oxigênio na atmosfera terrestre e ainda o principal responsável pela influência dos fatores de controle climático mundial, e sendo ainda a preservação da biodiversidade marinha imprescindível para a preservação das águas oceânicas e manutenção do oxigênio na atmosfera, é simples compreender que não há vida terrestre sem preservação das águas e da vida marinha.
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