A pauta ESG (Ambiental, Social e Governança) deixou de ser um conceito de nicho e passou a ser um critério fundamental para negócios e investimentos no mundo todo. Enquanto países desenvolvidos avançam na criação de marcos regulatórios sólidos, o Brasil ainda enfrenta um vácuo normativo, que gera insegurança para empresas e investidores.
A ausência de um Marco Regulatório ESG (MRESG) impede que diretrizes sejam aplicadas de forma padronizada, prejudicando tanto o setor produtivo quanto a governança pública e dificultando o monitoramento e a implementação de práticas efetivas de sustentabilidade. O MRESG não se limitará apenas a uma legislação específica, mas funcionará como um compêndio estruturado de normas e leis já existentes, consolidando diretrizes e ampliando sua aplicabilidade prática.
É comum ver empresas tentando se adequar em um cenário incerto. Há um consenso de que a regulamentação do ESG precisa sair da retórica e se transformar em prática. Sem um marco regulatório consistente, o país arrisca perder investimentos e comprometer sua competitividade internacional.
O ESG não é um diferencial – é uma exigência global. Esse tema não pode mais ser tratado como um diferencial competitivo. O Brasil precisa definir um arcabouço regulatório que garanta previsibilidade ao setor produtivo e crie condições para um desenvolvimento sustentável sólido e duradouro. A insegurança jurídica causada pela ausência de normas padronizadas gera impactos diretos na economia.
No Brasil, essa discussão ainda avança lentamente, com normas dispersas e sem um direcionamento unificado. Empresas interessadas em adotar práticas ESG encontram dificuldades para seguir padrões regulatórios fragmentados, enquanto investidores buscam garantias de que seus aportes estarão alinhados a parâmetros confiáveis e reconhecidos. Países da União Europeia, a China e até mesmo os Estados Unidos já deram passos importantes, criando legislações que tornam a adoção de ESG uma obrigação – e não somente uma escolha reputacional.
Nesse contexto, é necessário um diálogo aberto para estruturar o caminho para a regulamentação no Brasil. A Consulta Pública ESG20+, que foi lançada na terça-feira (25), em Brasília, busca preencher essa lacuna ao reunir contribuições de especialistas, empresas e da sociedade civil para a construção de um Marco Regulatório do ESG para o Desenvolvimento Sustentável. Organizada pelo Instituto Global ESG, pela ABRIG e pelo Movimento ESG na Prática, a iniciativa pretende mapear desafios, identificar lacunas e propor soluções concretas para orientar futuras proposições legislativas e políticas públicas sobre o tema.
Aberta pelo período inicial de 30 dias úteis, a consulta pública visa reunir contribuições claras e dinâmicas sobre legislações e atos normativos de todas as esferas (federal, estadual, municipal), além de proposições em andamento ou recomendações para criação e aperfeiçoamento. A intenção é mapear, identificar lacunas, desafios e oportunidades que facilitem a implementação prática do ESG. Também foi apresentado na terça-feira o site esg20.org, que é uma plataforma central de informações e atualizações sobre a iniciativa ESG20+.
O Programa ESG20+ foi lançado em celebração aos 20 anos do ESG (2004-2024) e inspirado no legado de Kofi Annan, com o objetivo de implementar na prática, de forma dinâmica e estratégica, os princípios ambientais, sociais e de governança em um plano de longo prazo (Plano Estratégico 2025-2045 de Convergência Interinstitucional e Multissetorial). O programa prevê revisões técnicas a cada 5 anos, em 4 fases ordinárias, garantindo constante evolução e integração das melhores práticas ESG.
A discussão agora avança para uma governança estruturada. O Plano Estratégico ESG 2025-2045 estabelece um horizonte de longo prazo para consolidar diretrizes e garantir sua aplicação prática. Dentro dessa estratégia, foram instituídos Conselhos Permanentes para cada um dos 20 princípios norteadores do ESG, garantindo que a regulamentação avance de forma técnica e consistente. Esses conselhos terão um papel fundamental na articulação entre setor público e privado, promovendo soluções viáveis e monitoramento contínuo para evitar práticas de greenwashing – quando empresas fingem adotar discursos sustentáveis – e garantir que o ESG tenha um impacto real na sociedade e na economia.
A consulta pública será a primeira etapa desse processo, servindo como um ponto de partida essencial para consolidar diretrizes claras e alinhadas às demandas do mercado e da sociedade. A primeira fase do MRESG já será apresentada como um compêndio de leis e normas existentes, que atualmente não são devidamente aplicadas ou divulgadas, mas possuem impacto direto sobre o ESG e a sustentabilidade. As sugestões recebidas serão analisadas e encaminhadas à Frente Parlamentar ESG na Prática (FPESG) e à Rede ESG – Coalizão Sustentável entre Frentes, Grupos, Órgãos e Autoridades Parlamentares, cujo objetivo é transformar essas contribuições em ações legislativas concretas.
Ao final dos 30 dias, um grupo de trabalho do Conselho Permanente de Simplificação e Integração Normativa (Princípio 1 do Programa ESG20+) consolidará as contribuições e apresentará estudos à Frente Parlamentar ESG na Prática do Congresso Nacional (FPESG) e à Rede ESG – Coalizão Sustentável de Frentes e Grupos Parlamentares. Os estudos consolidados, considerados a primeira fase do MRESG, serão entregues a órgãos, entidades e autoridades em atos público-privados sequenciais, organizados pelo Movimento Interinstitucional ESG na Prática. Este processo garantirá uma plataforma dinâmica e com atualizações periódicas, que alimentará proposições legislativas, diretrizes normativas e políticas públicas, permitindo, em determinado momento, a facilitação da visibilidade e do monitoramento, impulsionando o ESG e a sustentabilidade no Brasil.
O Brasil pode se tornar referência na regulação ESG e aproveitar as oportunidades de uma economia sustentável, ou pode continuar refém da incerteza e do improviso. O sucesso dessa regulamentação dependerá do comprometimento do setor produtivo, do governo e do Congresso Nacional.
Confira o artigo publicado no Estadão.