10/06/2024 às 17h11min - Atualizada em 10/06/2024 às 17h11min
'PEC das Praias' pode afetar biodiversidade e acabar com faixas de areia, dizem especialistas
Proposta tem causado polêmicas nas redes sociais, envolvendo famosos em debates políticos sobre bens públicos
João Kerr
Rafael Catarcione/ RioTur A PEC das praias, como vem sendo chamada a proposta elaborada em 2022 e discutida recentemente no Senado, tem causado controvérsias e até briga entre famosos nas redes sociais. Se aprovada, a proposta vai permitir a transferência de territórios da marinha para ocupantes particulares.
Hoje, são considerados territórios de marinha toda a faixa de 33 metros ao longo da costa marítima do país e nas margens de todos os rios e lagos banhados por marés. Sendo assim, a área pertence ao Governo Federal. Proprietários de terrenos dentro desta faixa precisam pagar impostos específicos à União.
A PEC propõe que os terrenos sejam transferidos às pessoas físicas e jurídicas que atualmente os ocupam e aos Estados e municípios -- no caso de áreas desocupadas.
Segundo o Senador Flavio Bolsonaro, redator da proposta, a inspiração é o que ele chama de “sentimento municipalista”.
“Quem conhece a realidade de cada imóvel deste é o prefeito do município, muito melhor do que nós aqui de Brasília ou qualquer órgão federal”, disse Flavio em debate no Senado.
Praias privatizadas?
Mas a grande polêmica gira em torno da possibilidade dos proprietários de terrenos próximos aos mares limitarem o acesso de pessoas às praias. O texto da PEC não fala em privatização de praias, mas o advogado ambiental Yuri Lima acredita que a limitação do acesso pode ocorrer.
“Nós vamos ter, muito possivelmente, consequências para populações locais: pescadores, ribeirinhos, quilombolas, comunidades tradicionais que vivem já há gerações em várias áreas ao longo da costa”, afirmou Lima ao
Global ESG. O advogado ainda destacou as consequências da perda de propriedade do poder público sobre os territórios: “Vamos perder o controle da União sobre as populações tradicionais, as comunidades locais e os ecossistemas costeiros marinhos, causando maior pressão sobre esses ecossistemas e sobre a biodiversidade local.”
Ecossistemas marinhos
Sem a proteção da União existe a possibilidade de aceleração da degradação dos ecossistemas próximos às costas. Isso pode ter consequências graves e causar até o desaparecimento das praias, segundo a engenheira ambiental Nathalia Ayumi:
“As restingas, vegetações rasteiras que ficam nas praias, cumprem um papel fundamental na erosão, segurando a areia no lugar. Assim, elas evitam que o aumento do nível do mar faça as praias sumirem.
Os manguezais também têm um papel muito importante na manutenção da biodiversidade das regiões costeiras e fazem a captura de carbono”, explica Nathalia.
Tendência global
Enquanto o Brasil apresenta projetos para privatizar os territórios de marinha, países ao redor do mundo fazem o movimento contrário. Os vizinhos Argentina e Uruguai, por exemplo, possuem faixas de territórios estatais de 150 metros cada.
Segundo Yuri Lima, existem estudos que defendem que a faixa seja ampliada. Na França, também há um movimento para estatizar territórios próximos à costa, que hoje são privados.
“Muitos países estão fazendo isso justamente para proteção do meio ambiente e das populações locais. A ideia é tentar ainda mitigar, de alguma forma, as mudanças climáticas e suas consequências”, disse o advogado.