13/03/2024 às 14h01min - Atualizada em 13/03/2024 às 14h01min
Pesquisa de Médicos Sem Fronteiras revela níveis extremos de violência em Porto Príncipe, no Haiti
Mais de 40% das mortes em Cité Soleil, a maior comunidade de Porto Príncipe, estão ligadas à violência, de acordo com estudo realizado entre 2022 e 2023.
Médicos Sem Fronteiras
Envato A primeira pesquisa em mais de uma década a examinar o impacto da violência sobre a mortalidade no Haiti revela os níveis extremos de violência vivenciados pelos moradores de Cité Soleil, a maior comunidade de Porto Príncipe, capital do país.
A pesquisa sobre mortalidade foi realizada pela Epicentre, departamento de epidemiologia e pesquisa médica de Médicos Sem Fronteiras (MSF). O estudo abrange o período entre agosto de 2022 e julho de 2023 e revela uma escalada preocupante da violência em comparação com um levantamento semelhante realizado pela organização em 2007 na mesma área.
De acordo com a nova pesquisa, mais de 40% das mortes na área estão ligadas à violência, enquanto a taxa bruta de mortalidade [o número de mortes por dia a cada 10 mil pessoas] é de 0,63. Pesquisas anteriores de MSF indicaram taxas de mortalidade semelhantes entre pessoas expostas ao regime de terror do grupo Estado Islâmico no norte da Síria, em 2017 , e ao bombardeio da coalizão internacional na região. A taxa também foi semelhante à dos refugiados Rohingya nos meses imediatamente anteriores à campanha de violência lançada contra eles pelo exército birmanês.
Além das altas taxas de mortalidade, 13% dos moradores de Cité Soleil pesquisados relataram ter testemunhado atos de extrema violência nas ruas, como assassinatos ou linchamentos. Além disso, 40% das mulheres pesquisadas disseram que não puderam realizar o atendimento pré-natal devido aos riscos de serem expostas à violência durante o trajeto até um hospital ou clínica.
“Estou acostumado a ver pessoas mortas”, relata um integrante da equipe de MSF do Haiti. “Estou acostumado a ver corpos no chão. Estou acostumado a ver cadáveres carbonizados. Estou acostumado a ouvir estrondos. Às vezes é alguém que você conhece. Estou falando de terror, de violência armada. Estou falando de violência física. Estou falando de violência psicológica. Estou falando de miséria. Estou falando de assassinatos. Estou falando de violência de gangues contra pessoas”, lamenta.
A pesquisa mostra um quadro sombrio da vida na capital haitiana, dominada pelo caos e com a população vivendo sob as ameaças constantes da presença de gangues armadas e com o risco de ser surpreendida por confrontos entre as gangues, a polícia e as brigadas civis de autodefesa.
De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) janeiro de 2024 foi o mês mais violento no Haiti em mais de dois anos, com pelo menos 806 pessoas mortas, feridas ou sequestradas no país. A situação se deteriorou ainda mais desde então e, em 28 de fevereiro, Porto Príncipe mergulhou no caos, com dezenas de pessoas feridas lotando as instalações de MSF.
“Quando você é pai de família e vê uma menina de 2 anos chegando com um ferimento de bala, é realmente perturbador”, revela um integrante da equipe de MSF que trabalha no Haiti. “É terrível ver crianças em idade escolar, que não têm nada a ver com as gangues, serem alvejadas e terem balas em seus corpos.”
Entre 2022 e 2023, o número de homicídios no Haiti dobrou, enquanto os sequestros aumentaram em 83%, de acordo com um relatório recente do Secretário-Geral da ONU . No entanto, é provável que a escala real da violência seja muito maior, pois as descobertas da pesquisa do Epicentre excedem em muito os números oficiais. Em 2023, por exemplo, a ONU relata mais de 4.700 vítimas de homicídio em todo o Haiti, enquanto a pesquisa da Epicentre relata mais de 2.300 mortes violentas somente em Cité Soleil, apesar de a região abrigar apenas 9% da população da capital.