02/02/2024 às 11h00min - Atualizada em 02/02/2024 às 11h00min

Estudo mostra que pessoas trans chegam a receber até 26% menos nas empresas

Segundo especialista, atualmente não há nenhuma lei específica de inclusão de pessoas trans no mercado de trabalho

Bianca Rocha
Bianca Rocha
Keith Kelly, Ilustradora/Grupo Arnone
Segundo pesquisa realizada com base em dados cadastrados do site Vagas.com, 69% dos transexuais estão em cargos operacionais, auxiliares ou técnicos. São cerca de 54% (24.266) de mulheres trans e 46% de homens trans (20.296). A média salarial que essas pessoas recebem é 17% menos que pessoas cisgênero, chegando até 26% menos. De acordo com Bruna Andrade, advogada e CEO da Bicha Da Justiça e especialista em direito LGBTQIAPN+, atualmente não há nenhuma lei específica de inclusão de pessoas trans no mercado de trabalho. “Existe hoje uma única normativa específica de acesso a pessoas trans, em relação a algumas universidades federais e estaduais, que tem essa previsibilidade das cotas. No que diz respeito ao universo do trabalho, as pessoas trans ainda não têm uma lei que determine essa inclusão”, enfatiza Andrade. 

Ainda segundo a doutora, existem boas práticas de empresas que têm desenvolvido programas de inclusão de pessoas trans no mercado de trabalho, mas o fazem como uma política de diversidade e inclusão e não por conta de uma obrigatoriedade normativa propriamente dita. A falta de reconhecimento da existência de pessoas transexuais faz com que a mesma(o) tenha dificuldades no acesso a itens básicos e que qualquer cidadão tem o direito de receber, como o acesso à saúde, educação básica e trabalho. Com o constante preconceito que sofrem, muitos desde a convivência com familiares, acabam encontrando a prostituição como uma forma de se manterem vivos. Os que conseguem vagas de emprego podem passar por maus olhares de colegas de trabalho, deiscriminação e preconceito disfarçados de piadas. 

Como no caso da Maria Victoria Aguiar, médica e mulher trans, que encontra dificuldades no respeito e aceitação de pessoas ao seu redor, percebendo olhares e comentários, muitas vezes, maldosos. “Nas vezes que me senti mal e sensibilizada foi quando erraram meu pronome e não quiseram corrigir, usaram a desculpa do "não tenho costume", ou "não sei se é homem ou mulher", aquele médico do cabelão que se diz mulher”. Também já me fizeram perguntas do tipo "Dra. você já é operada ?" "Qual seu nome de verdade? Já me chamaram de revoltada por me defender, por corrigir os erros de pronome e nome retificado", enfatiza Maria. 

Hoje em dia, Maria Victoria ainda percebe alguns sinais como olhares e comentários, mas também está cercada de pessoas que a apoiam e respeitam. “No início, em meu trabalho, fui mais fechada com a equipe e colaboradores para não dar muita entrada mesmo! Para terem um certo receio de falarem algo errado, como uma forma de defesa. Com o tempo fui me soltando mais, conhecendo melhor as pessoas, me tornando colega e amiga. Hoje, tenho o respeito da maioria. Tem noção de como eu sou fora do trabalho e do quão legal eu posso ser e que o fato de ser uma mulher trans na verdade é algo incrível da minha história e o tanto que ralei pra chegar onde estou hoje", completou Aguiar.

A CEO da Bicha Da Justiça diz que há um conjunto de normas que geram o acesso dessas pessoas a alguns direitos e as protegem de preconceito contra pessoas trans. Atos relacionados a impedir essas pessoas de ter trabalho, acessar algum serviço, ou discriminá-las ou ofendê-las em razão da sua identidade de gênero é considerado crime de transfobia. O Brasil possui uma lei existente. Discriminações como estas, estão inclusas também na lei estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que coloca os atos de homofobia e transfobia como crime de injúria racial. Responsavéis por atos dessa natureza não terá direito a fiança, nem limite de tempo para responder judicialmente. O artigo 20 da Lei 7.716/1989 diz que a punição é a reclusão de um a três anos e multa, podendo ter alterações. Além disso, atualmente há um projeto de lei 128/23, que inclui a transfobia como ato de violência política, criada pela deputada Sâmia Bonfim.   

Práticas de inclusão estão ligadas ao “S” do ESG (social, ambiental e governança - em portugês), e empresas têm cada vez mais tentado incluir essas práticas na rotina de trabalho de colaboradores. Segundo a startup Blend Edu mostra que 72% das 102 empresas participantes têm uma área dedicada à gestão de diversidade e inclusão. Em 2022 foi de 71% e em 2020 de 64%. Já as pequenas e médias empresas, com até 99 funcionários, a porcentagem de pessoas que informaram ter orçamento dedicado à temática foi de 85%, em 2023 essa porcentagem era de 67%.

“Como sabemos, a maior parte das pessoas transexuais estão fora do mercado de trabalho, portanto, criar programas internos para seleção dessas pessoas é de extrema importância. Mas, só gerar empregabilidade não é o suficiente, pois a pessoa trans, ao entrarem em uma empresa e não encontrarem um ambiente seguro, acolhedor, que a desenvolva,  dificilmente o colaborador ficará no local Programas educacionais podem colocar os demais colaboradores em sintonia com a pessoa trans, que vão educar outros colaboradores  acerca do que é uma pessoa transexual e também sobre seus direitos”, finaliza a  especialista em direito LGBTQIAPN+. 

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