20/06/2024 às 17h56min - Atualizada em 20/06/2024 às 17h56min
Imigração cresce no mesmo passo da xenofobia no Brasil
Dados da Conare informam que, em 2023, mais de 77 mil novos refugiados e imigrantes foram reconhecidos em território brasileiro
Bianca Rocha
Bianca Rocha
Freepik Informações recentes da ONG SaferNet mostram crescimento significativo nas denúncias de crimes de ódio virtual entre 2022 e 2023. A xenofobia, que é o medo ou aversão a qualquer coisa que seja percebida como estrangeira ou estranha, registrou aumento de 252,25%.
Em 2023, foram reportados 14.196 casos, mais que o triplo do ano anterior, que contabilizou 4.030 denúncias. A SaferNet recebeu 101.313 denúncias de violações de direitos humanos em 2023, um recorde histórico na plataforma da organização.
Apesar de alguns crimes de ódio terem apresentado queda, o número geral de novas denúncias cresceu 48,7% em comparação ao ano anterior. A xenofobia, caracterizada pelo ódio direcionado a estrangeiros, tem sido uma preocupação crescente no mundo digital, refletindo um ambiente de tensão global exacerbado por eventos como o conflito no Oriente Médio.
O embate entre Israel e Hamas contribuiu para um aumento nos ataques antissemitas e islamofóbicos na internet, segundo Thiago Tavares, presidente da SaferNet. Além da xenofobia, a intolerância religiosa também teve aumento de 30% nas denúncias, totalizando 993 casos em 2023. O contexto global de polarização política e conflitos é apontado como um dos fatores que contribuem para o cenário.
Organizações internacionais e movimentos da sociedade civil têm documentado casos de abusos e violações dos direitos humanos contra imigrantes e refugiados em Camarões, incluindo detenções arbitrárias e deportações forçadas. Mas a falta de proteção legal e a retórica anti-imigrante contribuem para um ambiente de medo e insegurança entre essas comunidades.
A imigração é uma realidade que só cresce no Brasil. Só em 2023, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) reconheceu 77.193 pessoas como refugiadas. Desse total, os homens correspondem a 51,7% e as mulheres a 47,6%. Além disso, 44,3% das pessoas reconhecidas como refugiadas são crianças, adolescentes e jovens com até 18 anos de idade.
Não escolhi o Brasil, o Brasil que me escolheu
O Brasil não foi a primeira opção de refúgio de Constance Salawe (43), socióloga e integrante do Conselho Municipal de Imigrantes (CMI). Camaronesa de origem e de nacionalidade nigeriana, veio para o Brasil pela acessibilidade que em outro país seria um pouco mais difícil. “É uma história de infância. Meu pai foi um dos primeiros camaroneses que recebeu uma bolsa de estudos para cursar engenharia no Canadá. Então, desde que eu comecei a pensar como uma humana, queria ir e estudar lá também.”
Salawe conta que de fato havia achado que no Brasil seria mais fácil. Além do idioma ser a principal barreira enfrentada, sua formação a impedia de encontrar trabalho, ficando anos desempregada no país. Por seu histórico familiar, Constance fugiu para a Nigéria, onde conheceu seu atual marido. Mas a Nigéria ainda não era o país para se estabelecer, com oportunidades de trabalho, alimentação, acesso à saúde.
Em outubro de 2016, o Camarões via o início de uma guerra civil separatista, conhecida como “Crise Anglófona” travada entre o Governo Central e o movimento separatista da República da Ambazônia. O conflito é resultado de décadas de tensões políticas e culturais entre a maioria francófona e a minoria anglófona do país, agravadas por políticas discriminatórias e disputas sobre o processo de descolonização.
O estopim foi a nomeação de juízes francófonos para regiões anglófonas, provocando protestos e greves lideradas pelo Consórcio da Sociedade Civil Anglófona Camaronesa. O governo reagiu com repressão, desencadeando uma série de eventos que incluíram cortes de internet prolongados e a declaração unilateral de independência pela Frente Unida da Ambazônia dos Camarões do Sul em 2017.
Em seu histórico, Camarões é um país que já havia sofrido com outros conflitos. Os impactos humanitários são alarmantes: mais de 1.850 mortos, 530.000 deslocados internos e 35.000 refugiados. Escolas fechadas por quase dois anos, aumento da violência e relatos de abusos contra mulheres agravaram a crise.
Internamente, os separatistas dividem-se entre o Governo Interino da República Federal da Ambazônia - Estado não reconhecido na África Ocidental que luta pela sua independência dos Camarões - e o Conselho de Governo do Camarões do Sul, com conflitos internos resultando em mais violência.
A comunidade internacional tem manifestado preocupação, com apelos da União Europeia e dos EUA pelo diálogo e consideração da separação. Em contrapartida, o governo central rejeita a independência, enquanto o cenário de violência persiste, colocando em risco eventos como a Copa Africana de Nações de 2022, programada para Camarões e transferida para a Argélia.
O Brasil tem sido um destino para refugiados de diversas partes do mundo, especialmente da América Latina, como Colômbia, Venezuela e Haiti, devido a conflitos regionais, crises econômicas e desastres naturais ocasionados principalmente pelas mudanças climáticas.
“Em Camarões, por exemplo, falamos inglês e francês e foi aí que encontrei meu principal desafio. A língua portuguesa! Tive que aprender das mais diversas formas, pois sem ela eu não ia conseguir partir para meu próximo desafio, de encontrar um trabalho digno. Eu queria trabalhar com agentes de viajantes e turistas, porque eu trabalhei nisso por mais de doze anos. Eu estava pensando que seria mais fácil aqui no Brasil, porque nós sabemos que o Brasil é um país bem turístico, mas a realidade é outra.”
Para Constance, refugiados e imigrantes têm o mesmo problema quando chegam ao Brasil, que é a dificuldade com o idioma, obstáculos para achar trabalho e a percepção que os brasileiros têm das pessoas refugiadas.
“Muitos brasileiros pensam que os refugiados são ladrões ou querem roubar empregos. Nós somos muito vítimas de xenofobia, de racismo. É difícil ser imigrante, mas ser um imigrante negro, um refugiado negro, é ainda mais difícil. Como nós falamos, a carne mais barata do mercado é a carne negra. Não vou comparar o Brasil com os outros países, porque o Brasil tem uma política democrática bem puxada, bem avançada, mas falando sobre os refugiados, as vantagens que os refugiados têm nos outros países, nós não encontramos aqui. Ainda precisamos que o governo brasileiro revise o acolhimento.”
Atualmente, Constance conseguiu dar a volta por cima. Vivendo há oito anos no Brasil, ela aprendeu o idioma para poder trabalhar, até conseguir uma vaga de professora de francês. “Tenho o sonho ainda de retornar ao meu país. Sinto falta de poder viver um pouco minha cultura, rever amigos e alguns familiares. Mas estou confortável aqui também.”