29/09/2023 às 14h17min - Atualizada em 29/09/2023 às 14h14min

Você já pensou em desistir? A quadra 29 quase me venceu

Apenas uma reflexão

Willian Oliveira

Willian Oliveira

Head de Comunicação e Marketing do Grupo Arnone

Em algum momento com certeza você já pensou em desistir de um sonho, jogar a toalha, aceitar uma situação, ainda que ruim, e seguir por um caminho que não é o desejado pelo simples fato de não ter mais forças para remar contra a maré. Todos nós já passamos por isso e, pra falar a verdade, todo dia é uma luta para que a procrastinação e o conformismo não corroam nossos sonhos e desejos de uma vida melhor.

A quadra 29 com certeza é o símbolo de um desses momentos da minha vida. Um lugar comum, que quase me derrubou, mas hoje é um símbolo das minhas humildes conquistas.

O ano era 2005, cursava o segundo ano do curso de jornalismo. Estava em busca do sonho de ser o primeiro em toda minha família em ter um curso superior. Mais que isso, queria também me formar em algo que amava: a comunicação.

Acordava todos os dias por volta de 4h30 da madrugada, pegava mochila, marmita e garrafão de água e seguia para o ponto pegar o ônibus para a Fazenda Fittipaldi, do ex-corredor de Fórmula 1, Emerson Fittipaldi. Lá eu fazia de tudo: colhia laranja, capinava, roçava, ajudava a cuidar do sistema de irrigação, enfim, o famoso serviços gerais, lá chamado de “rurícola”.

A jornada era dura, ia até 17h. Depois tomava banho em um cano com água fria (porque não tinha chuveiro), colocava uma daquelas botas de borracha para caminhar cerca de um quilômetro até chegar a Rodovia SP-255 e pegar o ônibus escolar para ir para a faculdade. Tudo cronometrado para não perder aula e nem a única forma de voltar para casa. Acredite: já fiquei para trás, no escuro, e só consegui carona 4 horas depois.

O par de botas eu deixava em uma moita, sempre suja de lama e barro. Lá mesmo calçava o tênis e seguia para Araraquara. No outro dia o ônibus que me trazia para o trabalho parava no mesmo lugar para que eu a pegasse afinal, seria minha companheira pelo resto do dia.

A propriedade tinha mais ou menos umas 130 quadras de laranja, mas a quadra 29 era sem dúvidas, pra mim, a pior delas. No pé de um morro íngreme, colher laranja ali, naquela inclinação, era um sacrifício sem tamanho. Aliás, todo tipo de trabalho naquele lugar era delicado, até os tratoristas (que invejávamos por trabalhar todo dia sentado e na sombra) corriam riscos. Alguns tratores já tinham tombado por lá.

Um belo dia chego para trabalhar e ouço uma notícia que soava como música: a quadra 29 vai ser “arrancada”. As plantas, muito velhas, seriam substituídas.

Sem plantas, sem trabalho naquele lugar horrível. Foi o que pensei e acho que nunca estive tão enganado em toda minha vida.

Máquinas pesadas foram empenhadas no serviço e, para minha surpresa, a partir daquele momento, eu e a quadra 29 viveríamos intensos momentos juntos.

Primeiro, junto com dois ou três companheiros, tivemos que retirar todas as mangueiras de irrigação por gotejamento. Subíamos e descíamos o morro o dia todo com centenas de metros de mangueiras nas costas.

Depois fui designado para ajudar as pás carregadeiras a arrancar as plantas pela raiz. O trabalho era relativamente simples: eu pegava pesadas correntes, passava entre os troncos e os prendia nos dentes da máquina e ela fazia o restante do serviço. Devíamos ter uns três mil pés de laranja. Faz as contas aí!

Quando terminamos esse serviço, e aí já passadas algumas semanas, talvez meses, os tratores começaram a gradear o lugar. Deixar a terra “fofa” para o plantio.

Quando reclamava com os amigos que colher laranja era um serviço difícil, cansativo, eles, mais experientes, sempre me alertavam: “você não sabe o que é plantar laranja”.

E eu descobri da pior maneira: fazendo. Com a terra afundando até a canela, em um grau de inclinação que não sei calcular e com um enxadão com cabo de 20cm eu e os outros quatro guerreiros abrimos os três mil buracos e ao mesmo tempo plantando as três mil mudas. Ainda era preciso adubar, jogar cama de frango (esterco de galinha, pra ser mais preciso) e o pior de todos, irrigar. Um trator com um tanque de 3 ou 4 mil litros d’água ia na frente e nós atrás, segurando uma mangueira molhando pé por pé, das 7h até 17h, todos os dias, por meses a fio.

Um desses dias me levou a exaustão física e mental. Não tinha mais forças para trabalhar e muito menos ir para a faculdade. Colegas me ajudaram e me deixaram com serviço menos pesado nesse dia e ao final da jornada voltei para casa.

Lá encontrei minha mãe e meu pai que tinha acabado de voltar da roça também. Ele cortava cana (que é bem pior, diga-se de passagem). Disse para eles que era preciso escolher: ou o trabalho ou a faculdade, os dois eu não conseguia mais. Voltava todo dia meia noite, fazia as lições até uma ou duas da manhã, mal dormia, almoçava 7h30 da manhã para usar o horário de almoço na roça para descansar ou fazer algum trabalho de faculdade. Estava humanamente impossível suportar.

Não era só o sacrifício do trabalho, o tempo apertado ou a falta dele, mas também as incertezas sobre o futuro, se valeria a pena, se o dinheiro gasto com o curso, que fazia e muito falta em casa não estaria sendo melhor investido no bem estar da minha família. Era o peso do mundo sobre minhas costas. Não resisti. Chorei nos braços deles como há muito não fazia.

Minha mãe, singela como sempre gritou: “TÚ NEM PENSA EM DESISTIR! DE NENHUM DOS DOIS! VAMOS FAZER O QUE FOR PRECISO, MAS VOCÊ VAI CONTINUAR. Foi aos gritos mesmo, com uma força tão grande que parece ter me energizado imediatamente. Tive medo também. Dela, é claro.

Naquela noite ainda chorei, ainda pensei muito que precisava escolher, mas dormi e quando acordei estava renovado para enfrentar o momento, que ainda seria de muita dificuldade, mas disposto a encontrar alternativas para superar.

A partir daquele dia deixei de tomar banho na fazenda. O ônibus rural saia da propriedade por volta de 17h10 e eu resolvi que ia voltar para Boa Esperança do Sul nele todos os dias. Chegava na cidade por volta de 17h40 e no meu ponto umas 17h45. Eu corria para casa, tomava banho em 5 minutos, sentava no sofá e enquanto jantava minha mãe colocava meia e tênis no meu pé, por vezes gel e ainda penteava meu cabelo para que, pontualmente as 18h, eu estivesse no ponto, aguardando pelo ônibus escolar.

A dinâmica deu certo. Voltar para casa, ver a família, sentir essa energia e até a ajuda dos companheiros da roça, que mudaram o trajeto do busão só para me ajudar me fizeram seguir em frente. Claro que por vezes a dinâmica não funcionava, o ônibus rural atrasava ou o escolar adiantava e eu perdia um ou outro dia de aula, mas estava lá, firme e forte, determinado a concluir o que havia começado.

Em 2006 eu sai da roça para a Rádio Uniara FM. Em 2007 eu me formei e de lá para cá, coleciono vitórias, mas com a certeza de que a quadra 29 quase me derrubou, mas também me tornou mais forte.
Que venham outras quadras 29 e que eu siga tendo pessoas boas a minha volta para me ajudar a superar e para mostrar que há sempre uma alternativa. E, ainda que ela seja bem semelhante ao caminho que estamos trilhando, é uma alternativa, não custa tentar.

E quando alguém disser que algo é difícil, mande ele plantar laranja. Meu pai jura que plantar cana é pior, mas como nunca fiz, laranja já me basta.

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